domingo, 21 de fevereiro de 2016

Uma homenagem a Ettore

No janeiro passado, o diretor italiano Ettore Scola morreu aos 84 anos. Em sua homenagem, o blog Cinema em Prosa publica uma pequena crítica que escrevi já há alguns anos, mais exatamente em 2003, depois de assistir a Um dia muito especial em uma das salas da Casa de Cultura Mario Quintana, um dos locais responsáveis por minha educação cinematográfica.



Mauro Nicola Póvoas

Uma frase do personagem de Marcello Mastroianni, Gabriele, logo após consumada a relação sexual com Antonietta (Sophia Loren), parece resumir o espírito melancólico de Um dia muito especial (1977), obra-prima (são poucos os filmes que podem receber este título), de Ettore Scola: “Foi muito bonito, mas não resolve nada”. A história que os dois viveram naquele dia tão especial talvez fique vincada neles para sempre, mas aparentemente não resolverá os problemas que os afligiam. Fica, ainda, a impressão de que nunca mais eles se vejam, sensação plasmada com bastante nitidez no desconsolo de Antonietta, apagando, uma a uma, as luzes da casa, o que metaforiza com exatidão a sensação de fim inexorável de algo – e a amargura do coração dela repassa imediatamente para o espectador. Não à toa, quando apaga-se a luz do abajur e imediatamente começam a correr os créditos finais, me perguntei se as 20, 25 pessoas que estavam na sala de exibição comigo (na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre) sentiam com a mesma intensidade do que eu a emoção que o filme tinha conseguido transmitir – para minha surpresa e satisfação, um homem atrás de mim comentou com outro, ao seu lado: “Este filme deveria ser aplaudido de pé”. Nada como a recepção coletiva do cinema, para confirmar (ou não) suspeitas e incertezas.




Num nível metatextual, a frase de Gabriele pode, ainda, ser uma referência ao próprio filme: lindo, maravilhoso, mas que afinal não serve para nada, pragmaticamente falando. Aliás, como qualquer outra obra artística, no mundo prático aqui fora, a beleza denunciatória da arte parece não sensibilizar aos homens, que continuam a matar, a oprimir, a ter a tendência de aplainar as opiniões, tal como o Nazismo a partir da década de 30, exatamente a época retratado pelo filme.
Neste sentido, pode-se dizer que o perfeito trânsito de Scola entre o drama universal e o drama particular marca a película. De início, temos uma sequência de alguns minutos em que a ênfase recai sobre um documentário, em preto e branco, que retrata, em tom ufanista, a visita de Hitler a Roma, recepcionado por Mussolini. Somente após isso a câmera foca o prédio que será a locação que não mais abandonará.




Apenas um aparelho de rádio incessantemente ligado trará notícias para aquele labirinto de apartamentos habitados, naquele instante, somente por Grabrielle, Antonietta e a velha zeladora. Aos poucos, após uma vista geral, a câmera concentra-se numa vida, a da mulher que, casada com um homem bruto e mãe de seis filhos, vive quase que somente para atendê-los, servi-los, arrumá-los, cozinhar para eles. Tomamos conhecimento da primeira opressão retratada no filme: a da mulher, completamente amassada pelas tarefas de casa, sem direito a prazer algum, seja o da leitura (quantas vezes ela nega Os três mosqueteiros, sob a alegação de que não tem tempo para aquilo, ressaltando a solidão como fator indispensável do ato de leitura – aliás, chama a atenção de Antonietta o grande número de livros que o solitário Gabriele possui), seja o de ir ver Hitler (no contexto, isso é uma diversão, tanto que praticamente todas as pessoas vão ao programa), seja o sexual, já que um homem homossexual deu-lhe o que, há muito tempo ela não sentia com o homem heterossexual que tinha em casa, numa visão desconstrutora e ao mesmo tempo irônica do componente machista da sociedade italiana, por que não dizer de todas as sociedades do mundo.



Quando o pássaro (ou Antonietta, na metáfora evidente) escapa da gaiola, não é à toa que ele pousa na janela de um outro oprimido: do outro lado da janela, mais perto do que Antonietta pudesse imaginar, está um homossexual, que não aceita os ditames da sociedade, sendo assim acusado de comunista, depravado, antifascista. Desempregado, sentindo que os tempos que se avizinham para pessoas como ele não serão fáceis, Gabriele está prestes a se suicidar, quando é interrompido pela campainha. Como a pressão da sociedade patriarcal não aceita a liberdade das mulheres nem daqueles que não se encaixam naquilo considerado como a “normalidade” sexual, há logo a imediata empatia entre os dois excluídos.



Se por um lado Scola fala-nos do desmoronamento da instituição familiar e da falta de condições de se pensar e agir livremente, o diretor italiano não pensa somente no drama de um ou outro indivíduo perdido num condomínio romano, mas retrata também a opressão que se debruçava sobre toda a sociedade italiana da época. Claro que o plano que mais interessa a Scola, num primeiro momento, é o particular, mas a ditadura mais geral do Nazi-Fascismo permeia todo o filme, na cena inicial já aludida; no fato de todos terem ido à recepção do Führer; nas bandeiras estendidas nas sacadas; no rádio, que onipresentemente não para de transmitir todos os fatos acontecidos; na velha zeladora, que representa todo o conservadorismo da sociedade no microcosmos que ali se estabelece; no interesse que Antonietta mostra por Mussolini, plasmado no caderno de fotos do ditador italiano.



Ao fim, agora que ela já conheceu uma outra experiência, e essa experiência foi tão boa, o que lhe interessa cozinhar para a família (só fez sopa para a janta, fato do qual o marido reclama) ou então as notícias que sairão nos jornais amanhã? O álbum de Mussolini não importa mais agora – na verdade, pode-se perguntar se a ela foi dada a opção de gostar ou não do Duce.
A chegada da família, pai e seis filhos, a casa marca uma fina ironia, que joga com dois tempos da obra, o da fábula, na década de 1930, e o da realização, na década de 1970. Ao dizer, em 1938, que “Os americanos não entendem nada de armas, mas sim de filmes, quem entende de armas somos nós, os italianos”, o pai está sendo sério, sério como nunca foi, porém os espectadores de 1977 (ou de 2003, ou de qualquer ano) não podem conter um riso irônico, sabendo que depois da 2ª Guerra Mundial, da bomba atômica de Nagasaki e Hiroshima, do napalm no Vietnã, das intervenções na América Latina e no Oriente Médio, os americanos demonstraram que entendem bastante de armas. Por outro lado, uma cinematografia que enveredava cada vez mais por filmes como Tubarão (1975) e Guerra nas Estrelas (1977), em contraposição a um país que tinha diretores como Fellini, De Sica, Rossellini, Antonioni, Visconti, Pasolini, Scola e uma escola de cinema, a neorrealista, forjada na depressão econômica imposta pelas armas aliadas, leva à pergunta: quem sabe fazer cinema, de verdade?




O dia foi especial duplamente, tanto para Antonietta, como para o marido, Emanuele, que mal sabe que foi traído pela esposa, a qual imagina ser alguém que está sob seu completo domínio. Para Emanuele, o dia foi muito bom devido à comprovação da superioridade do homem, do branco, do heterossexual, e a tudo isso ele quer comemorar com a típica atividade impositiva masculina, a penetração: “Vou para a cama; estou te esperando, Antonietta, e se tivermos o sétimo filho, se chamará Adolf”; para a mulher, fazer sexo com o esposo, naquele dia, seria uma profanação, tanto que ela de imediato diz: “Não, hoje não”. Sua epifania precisa ser fruída solitariamente, na leitura e na observação discreta da ida do vizinho para longe, e na sensação de que sim, foi bonito, mas parece que pouco servirá, já que nada do que foi sentido por ela pode ser externado (o marido, por seu turno, não cansa de repetir, na sua superioridade masculina, “Que dia especial!”), pelo menos aos seus pares da diegese. Já nós, os emocionados espectadores, eternos voyeurs, temos vontade de dizer para ela que sim, sabemos de tudo, a apoiamos, a compreendemos, tanto que saímos do cinema confusos, amargurados, desesperançados: sim, a arte serve para muita coisa, em especial para nos tirar do prumo e nos fazer pensar sempre mais.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Nicholas Ray e o delírio da sociedade norte-americana



Daniel Baz dos Santos

Nicholas Ray já era, em 1956, um dos grandes diretores do cinema norte-americano, após ter desenvolvido obras como Johnny Guitar (1954) e Juventude transviada (1955), filme que inventaria um dos maiores ícones pop desta época, o personagem Jim Stark, vivido por James Dean. No entanto, nesse mesmo ano, ele lançaria mais uma obra impressionante, infelizmente hoje pouco celebrada e com um título medonho em português, Delírio de loucura (Bigger than life – no original). A história começa com o dilema de Ed Avery (James Mason na sua melhor forma), professor esgotado após arranjar um segundo emprego em uma radiotaxi para tentar melhorar as condições financeiras de sua família, a esposa (Barbara Rush) e o filho (Christopher Olsen). A abertura do filme investe, no melhor estilo de montagem dialética, no lugar desconfortável ocupado pelo protagonista. Temos um rápido movimento em close que se aproxima da porta da escola, seguido de um impetuoso bando de crianças que deixam o espaço com a energia costumeira desse tipo de grupo para, no corte seguinte, vermos Ed com um visível incômodo no pescoço.






A dinâmica estabelecida pela edição sinaliza para o conflito entre os jovens educandos e o educador, que será explorado posteriormente pelo filme e, obedecendo a coerência da cronologia da trama, por esta crítica também. A seguir, quando vemos o protagonista no seu segundo trabalho, percebemos mais uma vez seu caráter deslocado, já que é o único homem em um ambiente ocupado apenas por mulheres que coordenam as rotas dos taxistas. Essa emasculação, tópico comum em outros filmes de Ray (basta lembrar do pai de Jim, em Juventude transviada, vestido com o avental da mãe, enquanto limpa a casa), será recontextualizada no momento em que Ed chega em sua casa e pede que o filho deixe de assistir a um movimentado faroeste exibido na TV. “Não te aborrece ver isso?” “É sempre a mesma história”, diz o homem com decisão. Uma das intenções claras do diálogo é explicitar que Ed não é o típico herói hollyodiano, o “self made man” que resolve tudo com as próprias mãos, tipo ideal no gênero que ele aqui critica. O plano americano que o acompanha quando entra na sala, e que serviu de base para retratar ícones como John Wayne portando seu potente revólver, é agora um espúrio olhar para o homem cansado e sua maleta de professor, segurada entre as mãos com muita insegurança.




No entanto, a cena também se insere dentro da cinegrafia de Ray que, dois anos antes, já repensara as fórmulas do Western em Johnny Guitar, filme que, na época, desagradou aos fãs de John Ford e Howard Hawks, mas foi adorado por cineastas importantes como François Truffaut. Nele, a figura masculina central era problematizada, passiva diante dos eventos retratados e tendo que dividir o primeiro plano com a poderosa figura feminina da personagem de Joan Crawford. Esse intertexto não só favorece a desconstrução do herói ideal, como também ajuda a entender certas ironias na concepção do filme, como o fato de termos um pôster do Bryce Canyon National Park na parede, remetendo ao espaço onde os míticos pistoleiros transitavam e que serve de contraponto ao modesto lar do professor.



O transtorno visível do protagonista, inicialmente de origem monetária, se manifesta na sua compulsão por desligar todas as luzes da casa. Se no nível das ações a atitude é meramente econômica, em termos simbólicos ela representa o paulatino mergulho do protagonista no mundo das coisas obscuras e o incessante apagamento da realidade circundante diante da crescente autoridade da figura patriarcal (e seu desequilíbrio já manifesto). A casa suburbana, por seu turno, é concebida como contraponto sarcástico ao ideal da geração pós-guerra, criticando a ilusão do “American way of life”. Suas paredes estão repletas de cartazes que mostram territórios estrangeiros como Bolonha, Roma e França, servindo como símbolos do desejo de evasão que irá tomar conta dos três personagens em momentos distintos do filme.



Nesse sentido, o preciso uso da profundidade de campo é fundamental para que percebamos todo tipo de detalhe espacial ao longo das sequências. Além disso, ela permite que, em muitos momentos, vejamos vários cômodos da casa ao mesmo tempo, servindo como uma forma visual de fragmentar o espaço, assim como de desorientar nosso olhar, aproximando-nos do desequilíbrio de Ed. Este frequentemente é situado nas fronteiras entre uma peça e outra da casa, diante das portas e passagens. Isso, se por um lado, realça sua autoridade, já que qualquer movimentação no interior do recinto deve passar por sua figura, também fortalece sua natureza deslocada, ambígua, e enfatiza seu caráter transitório.







Acontece que Ed sofre de uma rara doença terminal que está lhe causando intensas dores. Num de seus primeiros surtos, o homem desmaia na porta de casa, despencando, ironicamente, sobre um abajur cuja luz se mantém acesa. A cena serve para demonstrar os males que sua obsessão já começa a provocar e este cuidado metafórico com as lâmpadas será mantido até o fim do filme. Após a queda, os transtornos do protagonista começam a se tornar cada vez mais instáveis. É nesse sentido que acompanhamos a bateria de exames do herói. Nicholas Ray, em chave surreal, resume o quadro a um único tom de cor avermelhado (signo de seu afundamento na insanidade) e nos mostra um raio-x de Ed engolindo, como se tivéssemos que estar dispostos a mergulhar em seu interior daqui em diante. Para se curar, o professor deve tomar uma droga experimental, a cortisona, que tem como efeito colateral alterar o estado mental do paciente.





Depois do tratamento, vemos Ed voltar à escola, feliz em estar vivo, ainda que tenha que tomar os remédios de seis em seis horas. O diretor não perde tempo em indicar visualmente a sua transformação psicológica. Primeiro, utilizando o recurso do quadro dentro do quadro, emoldurando a figura do professor pela janela do carro que sua cônjuge dirige. Sendo assim, há pelo menos um nível diegético a mais aqui, o que nos afasta do “novo” Ed. Quando finalmente sua esposa vai embora, a câmera o agiganta,sugerindo o delírio de grandeza que ele logo passará a vivenciar. Em seguida, tem-se uma das cenas mais brilhantes do filme, quando o, antes econômico, personagem decide comprar vestidos para a esposa.




Nessa sequência, a profundidade de campo, ampla mais uma vez, é fundamental para que nossa atenção erre pelos inúmeros itens do espaço. Espelhos emprestam um grau desarmônico, refletindo algumas figuras em ângulos oblíquos, ao lado do intenso contraste de cores e da natureza sinistra de certos objetos, com ênfase na sinistra mão vermelha que dá um ar irreal á composição do estabelecimento (não à toa, de cor vermelha). Mais do que isso, o reflexo precisamente posicionado multiplica as figuras, conferindo ainda mais substância ao devaneio de grandeza protagonizado pelo professor. Na verdade, essa exorbitância do cenário é eficaz na sua relação com a atitude esbanjadora de Ed e as imagens de Lou experimentando o vestido se relacionam, mais uma vez de forma dialética, com um único close no cheque assinado pelo protagonista, como se a imensidão do seu desejo (quase fetichista) não coubesse na sua realidade financeira. Essa felicidade repentina seguida da alienação do mundo real envolverá um paulatino desinteresse pelo trabalho. Ed quer apenas ficar em casa jogando futebol americano com seu filho, o que o leva a quebrar objetos da moradia em uma das senas. Esse vandalismo com o espaço familiar (que, assim como o desestímulo em trabalhar, será central em filmes como O iluminado, obviamente inspirado nesse projeto de Ray) também só será realçado pelas ações futuras das personagens.





Nesse sentido, se intensifica o jogo de câmera entre os cômodos da casa. As personagens não mais habitam as mesmas peças e, quando o fazem, se agridem verbalmente ou fisicamente. O clichê do lunático que se vê no espelho quebrado é revigorado por sabermos que é justamente atrás dele que Ed guarda as pílulas que o levam a loucura. Aqui ele já usa o roupão vermelho que marca sua passagem para o território desconhecido da desdita, visto que ao início do filme ele adota cores mais sóbrias, com exceção da pequena gravata rubra. A essa altura, o tresloucado professor prepara um novo plano para a educação. Julga que as crianças são seres doentes que devem ser curadas pelo ensino que, segundo ele, está cada vez mais permissivo. Com essa ideia em mente, resolve abandonar a mulher e filho para se dedicar a um livro sobre a reformulação do modelo educacional.



Em certa cena, finge-se de médico (de fato, pensa ser um, ao constatar que professor e doutor são palavras de mesma origem) e a imagem de uma caixa registradora que toma parte de sua figura, nos relembra do problema inicial do filme (econômico) e revela o domínio de seu realizador sobre os elementos visuais dispostos em cena. Os conflitos em casa só se adensam, como na cena em que vemos Ed discutir com o leiteiro e, principalmente, quando decide disciplinar o filho, obrigando-o a resolve cálculos matemáticos dificílimos. De forma expressionista, sua sombra na parede tem um peso e tamanho assustadores, lembrando talvez um macaco, um dos termos usados por Ed para descrever os jovens ignorantes.




As escadas, que a todo o momento foram importantes, ajudam a redefinir a posição dos personagens que se situam em níveis diferentes, além de servir como representação dos altos e baixos psíquicos de Ed. Toda esta sequência final está repleta de ironias. Começando pelo instinto disciplinador e repressor do homem que segura uma Bíblia na mão e diz que Deus está errado. Além disso, o único beijo entre o casal é uma paródia do ósculo romântico, precisamente situado em momento de intenso conflito e usado pela mulher para tentar ganhar algum tempo. Ed, decidido a matar o filho, inspirado em Abraão, liga a TV para que as pessoas não ouçam os gritos da esposa e o aparelho, que antes exibia o faroeste, agora toca uma animada música de parque de diversões. Quando Wally Gibbs, amigo da família, finalmente chega para detê-lo, o combate entre os dois destrói parte da casa (inclusive a escada, o que mais uma vez sugere sua carga simbólica), já que a luta se alastra por vários cômodos do ambiente. O objetivo é implícito: narrar a destruição do típico lar americano e a tragédia da família suburbana padrão. Contudo, é somente na derradeira sequência que o diretor Nicholas Ray desenvolve toda a amplitude semântica de seu projeto.




Ed é hospitalizado e observamos sua mulher e filho sentados, enquanto aguardam para vê-lo. É nesse momento que o menino se espanta ao reparar em um funcionário limpando o chão, pois não sabia que havia pessoas que trabalhassem naquela hora do dia. Sendo assim, a educação e maturação do jovem envolve a percepção da realidade econômica da sociedade, o que o insere no dilema de seu pai no início do filme. A criança finalmente começa a entender como funciona o sistema econômico que obriga as pessoas a uma jornada sacrificante e que só pode ter consequências traumáticas naqueles inseridos nele. Além disso, o jovem continua de vermelho, cor majoritária nas crianças que saem do colégio na cena inicial e que aqui se relaciona também com a luz no lado de fora do quarto de Ed. As aproximações cromáticas sugerem que o jovem começa a transitar no território que enlouqueceu seu pai.




 Nesse sentido, somente depois da conscientização do menino é que o filme pode se encerrar, evocando um dos seus principais componentes imagéticos: as lâmpadas. Primeiro, dentro do quarto, com as luzes que cegam Ed uma última vez e, acesas, marcam visualmente a sua passagem para a lucidez, uma vez que ao voltar a “ver” como um homem normal, ele se arrepende de tudo o que fez. Seriam essas luzes as mesmas que assustam o jovem Platão nos instantes derradeiros de Juventude transviada? Por fim, observamos a luz vermelha da emergência do hospital se apagando, como um último suspiro daquele drama familiar. A imagem do pai, mãe e filho reunidos que encerra o filme (sob uma luz apagada, entretanto) era necessária para um tempo em que o código Hays jamais permitiria um final sombrio, que relatasse a história crua de um núcleo familiar se deteriorando. No entanto, a harmonia final é situada no leito do hospital, no espaço de convalescença provisória, como uma forma de contestar o sonho da geração dos baby boomers e a ilusão econômica e social que ela representou e ainda representa.